Um dos aspectos mais característicos do Rock in Rio é sua
contradição. A começar pelo nome, já que na maioria das vezes não ocorreu de fato no Rio
de Janeiro. Pior que isso, certas apresentações ficaram na história por não
terem relação alguma com o rock: Ivan Lins?! Moraes Moreira?! Lisa Stanfield?!
Carlinhos Brown?! Rihanna?! Shakira?! Cláudia Leitte?! Ivete Sangalo?! Sandy
& Junior?!!!!
Cazuza e Frejat, legítimos representantes do cenário do rock nacional na década de 80 |
Cazuza cantava: “Meus heróis morreram de overdose”. É
verdade. Essa é outra contradição, não do festival, mas do próprio rock: os roqueiros
não se tornam heróis por suas virtudes, e sim por seus vícios. E ele mesmo, conhecido
por sua vida desregrada e tresloucada, ilustraria a vida de rock star – a morte precoce (veja aqui uma lista), o uso das drogas (quase universal) e, acima de tudo, o estilo de
vida transgressor (que está na base de ambos).
É certo que existe um aspecto “transgressor” próprio da arte,
no sentido de trazer inovação e rompimento com padrões já explorados e
dominados por artistas anteriores. Aliás, desde meados do século 19 (ou seja,
na arte “moderna” e na arte “contemporânea”) esse aspecto tem sido tomado como
o principal ou único critério artístico. Além disso, o rock é o estilo musical baby boomer[2],
isto é, está no seu DNA a desilusão e ruptura com os padrões tradicionais.
Nascido e amadurecido nas décadas da revolução cultural que virou o Ocidente de
cabeça para baixo, o rock parece incapaz de se contentar em ser apenas um estilo
musical: anseia ser um estilo de vida,
sintetizado no dístico “sexo, drogas e rock ‘n’ roll”.
Os “heróis” do rock são exatamente aqueles que mergulharam
de cabeça na autodestruição. Alguns, inclusive, se tornaram mais memoráveis por
seu comportamento que por seu talento; e outros tantos parecem querer compensar
a completa ausência de talento com o péssimo comportamento que movimenta a roda
da fama e fortuna roqueira.
O mais grave é que vivemos numa cultura de celebridades, e
qualquer um que consiga seus quinze minutos de fama ganha o direito de
expressar suas opiniões sobre os mais variados assuntos, como se a
superexposição na mídia o transformasse automaticamente num modelo a ser
imitado – nos divórcios, roupas indecentes, promiscuidade, uso de drogas,
desrespeito às autoridades. Alçados à condição de ídolos, os artistas ditam os
valores e costumes de seus fãs.
Um artista é inseparável de sua obra, pois a arte sempre
provém do mais íntimo de seu coração. Contudo, podemos distingui-los em nossa
avaliação. É possível admirar uma letra, uma voz, um solo de guitarra, uma
canção, sem com isso estar obrigado a dar aprovação incondicional à vida
pessoal, valores e comportamento do artista que os produziu.[3] Mas o cristão procura lidar com a cultura ao seu
redor de maneira humilde e cuidadosa. E reconhece que somos moldados em certa medida por aqueles com quem
convivemos e conversamos, e que dificilmente conseguimos escapar de sermos influenciados
por quem admiramos.[4] Por
exemplo, ainda que um fã de Freddie Mercury não vá se tornar homossexual por
causa dele, provavelmente se tornará mais condescendente com o homossexualismo;
assim como fãs de Marcelo D2 tenderão a relativizar a gravidade do uso da
maconha, ainda que se mantenham abstêmios por toda sua vida.
A criatividade e a imaginação necessárias às artes são dons do
Criador, distribuídos generosamente sobre bons e maus indistintamente; e
espelham algo da própria natureza divina no homem.[5]
Mas o pecador usa esses dons para a sua própria glória, distorcendo seu
propósito criacional. O resultado desse processo foi anunciado muito tempo
atrás, e continua fazendo vítimas até hoje.[6]
E não há nada de célebre, admirável ou heroico nisso. Só triste.
E não há nada de célebre, admirável ou heroico nisso. Só triste.
[1] A
presença do Queen (sem dúvida a banda principal do Rock in Rio 85) com o
vocalista Adam Lambert também é celebrativo dos 30 anos de Rock in Rio. À
semelhança de Cazuza, o líder e vocalista original Freddie Mercury foi
diagnosticado com o vírus da AIDS em 1987, fato que somente revelou
publicamente um dia antes de morrer, em 1991 (aos 45 anos). Houve ainda mais
duas homenagens: uma a Cássia Eller, que se apresentou no Rock in Rio III, em
2001, mesmo ano da sua morte (aos 39); e outra a Raul Seixas, que morreu em
1989 (aos 44), sem nunca ter cantado no festival.
[3] É
interessante observar como os descendentes de Caim se tornaram celebridades de seus
dias, inclusive na música; porém, não negaram o legado ímpio de seu antepassado,
célebre pelo assassinato do próprio irmão (Gênesis 4.17-23). Sem querer forçar
a comparação, o apóstolo Paulo citou os escritos de Epimênides (600 a.C.) e Aratus (315-240 a.C.),
filósofos gregos pagão (leia Atos 17.28 e Tito 1.12-13). João Calvino também era um
profundo conhecedor dos clássicos.
[4] Veja
estas advertências do sábio Salomão sobre as más influências: Provérbios 9.6; 13.20;
22.24-25; saber que ele mesmo se deixou levar pelas más influências de suas
esposas idólatras somente confere ainda mais peso aos seus conselhos. O
apóstolo Paulo também aborda a questão em 1 Coríntios 15.33.
[5] Em
outras palavras, são parte da imagem de Deus na humanidade, mantidos pela graça comum; veja Gênesis 1.26 e
Mateus 5.45.
[6]
Desejar receber a glória devida somente a Deus causou a queda de Adão e teve
como consequência a entrada da morte no mundo; cf. Gênesis 3.2-6.
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