segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O Brasil protestante

Coisa linda de se ver
Coisa linda, ver a Av. Paulista, assim como inúmeros locais públicos Brasil afora, tomada por manifestantes. Depois que os “caras-pintadas” tiveram de sair às ruas para protestar contra a corrupção e a situação econômica (1992), influenciando no impeachment de Fernando Collor, pensamos que os dias de passeatas e cartazes haviam ficado num passado distante, e que só nos restava a democracia das urnas – enfim, chegara a ordem e o progresso! Ingenuidade nossa.

Manifestantes em Brasília
homenageiam Lula
Em 2013, milhões de brasileiros voltaram a protestar contra o aumento de tarifas, com a novidade da convocação pelas redes sociais. E, em março, abril e agosto de 2015, outros milhões têm tomado as ruas para protestar contra a corrupção e a situação econômica, e para pedir a saída do Partido dos Trabalhadores do governo.

Mas não sejamos mais ingênuos: Sempre haverá motivos para protestar, já que o pecado mancha todas as atividades humanas. Resistir, rejeitar e denunciar
a corrupção, a exploração econômica, a irresponsabilidade administrativa e a imoralidade são atitudes que lançam alguma luz em um mundo em trevas. E, portanto, são apropriadas ao cristão.[1]

Muitos pensam erroneamente que “separação entre igreja e Estado” significa “separação entre cristão e sociedade” ou “separação entre fé e sociedade”. No primeiro caso, o cristão não se envolve com atividades políticas; no segundo, o cristão se envolve com atividades políticas como se não fosse cristão. Nas duas situações, percebe-se um dualismo que coloca a Política fora do alcance do senhorio de Cristo e da graça de Deus. A cosmovisão cristã reconhece que a Política tem um efeito centrípeto sobre a corrupção do pecado, mas afirma que é uma atividade digna que expressa aspectos importantes da natureza humana conforme a Criação (como sociabilidade, senso de justiça e dom de administração). Além disso, ensina que os efeitos da Queda na Política podem ser minimizados pela graça de Deus, especialmente através da presença e atuação de cristãos vocacionados para isso.

É importante notar que isso se dá no âmbito da bondade de Deus para com toda a sua criação, incluindo sociedades pagãs e indivíduos ímpios.[2] Ao engajar-se num protesto (ou em qualquer atividade política), o cristão é agente da “graça comum” de Deus. Isso tem pelo menos duas aplicações: Primeiramente, ele não protestará de maneira contrária à Palavra de Deus, por exemplo, incitando à anarquia, usando de violência ou depredando propriedades.[3] Em segundo lugar, não substituirá a esperança do Evangelho pela esperança na Política,[4] imaginando que seu partido de oposição é composto de santos que trarão o paraíso à terra.

Feitas essas duas ressalvas, a verdade é que o cristão pode exercer seu papel político com muito mais propriedade que o não cristão, devido às suas motivações espirituais e sua perspectiva bíblica das questões da sociedade. Sua participação política nunca se acomoda às dicotomias que se apresentam, como “Esquerda” e “Direita”, “Oposição” e “Situação”. Ele tem uma dicotomia mais relevante: “Vontade de Deus” e “Rebelião contra Deus” – e a partir dela avalia, critica, protesta e faz oposição a tudo que se levanta contra a verdade de Deus.

Ele pode sair às ruas em uma passeata pacífica contra a corrupção ou alguma decisão do governo; organizar um boicote a um produto ou empresa que promova atos injustos ou imorais; participar de abaixo-assinados contra a liberação do aborto; fazer campanha contra candidatos ou partidos comprometidos com agendas anticristãs e, é claro, candidatar-se por partidos de oposição (ou governistas, mas o tema deste post é o protesto).

Igualmente importante é o trabalho de instrução dos crentes (jovens e novos convertidos) nas implicações éticas e sociais da fé cristã, incluindo treinamento em Apologética. O objetivo é tanto expor os pressupostos secularizantes do sistema de valores da sociedade em geral quanto prepara-los para o contato com os não-convertidos de modo a serem mais influenciadores que influenciados.
Entretanto, a preocupação cristã com a política não pode ignorar a necessidade espiritual fundamental do ser humano de ter seu coração regenerado pelo Espírito de Deus. Fundamentalmente, a igreja é agente da “graça salvadora”. Por isso, precisamos fazer uso das armas cristãs da evangelização dos cidadãos, oração pelas autoridades e proclamação profética da Lei de Deus a uma sociedade em trevas.[5]

Os cristãos brasileiros farão diferença quando souberem viver a realidade com o ponto de referência transcendente fornecido pela Escritura Sagrada: Jesus Cristo, o Deus encarnado para restaurar um mundo caído. Nele, Deus protestou e agiu contra a injustiça, maldade e corrupção humanas de maneira a trazer esperança verdadeira e transformação, individual e social.

É lindo ver a Av. Paulista tomada de cidadãos lutando por dias melhores. Mas somente os cristãos têm um padrão perene do que seja o “melhor” pelo qual lutar. Nós sonhamos e esperamos um tempo e lugar onde todos os governantes honrarão a Deus e conduzirão suas nações segundo a Lei dele.[6]


[1] Tanto Jesus quanto Paulo usaram a figura da luz para falar da influência do cristão no mundo, cf. Mateus 5.14-16; Filipenses 2.15.
[2] Mateus 5.45; Atos 14.15-17 e 17.24-25.
[3] Violações do 5º, 6º e 8º mandamentos, respectivamente, conforme a interpretação do Catecismo Maior de Westminster.
[4] Quando um cristão defende mais seu partido que sua igreja e fala com mais entusiasmo de seu programa político que de sua fé, temos um sinal claro de que essa inversão já se deu. O professor de Filosofia Luís Felipe Pondé (PUC-SP) tem tratado desse tema.
[5] Paulo exortava seus crentes a interceder pelas autoridades romanas (1 Timóteo 2.1-2) e João Batista atuava na tradição dos profetas que exortavam as autoridades pagãs a agirem conforme a Lei divina (Lucas 3.14 e Mateus 14.3-4).
[6] Foi o que o apóstolo João viu quando estava preso em Patmos, no final do 1º século, cf. Apocalipse 21.24.

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