Coisa linda de se ver |
Coisa linda, ver a Av. Paulista, assim como inúmeros locais públicos Brasil afora, tomada por manifestantes. Depois que os “caras-pintadas” tiveram
de sair às ruas para protestar contra a corrupção e a situação econômica (1992),
influenciando no impeachment de
Fernando Collor, pensamos que os dias de passeatas e cartazes haviam ficado num
passado distante, e que só nos restava a democracia das urnas – enfim, chegara
a ordem e o progresso! Ingenuidade nossa.
Manifestantes em Brasília homenageiam Lula |
Em 2013, milhões de brasileiros voltaram a protestar contra
o aumento de tarifas, com a novidade da convocação pelas redes sociais. E, em
março, abril e agosto de 2015, outros milhões têm tomado as ruas para protestar
contra a corrupção e a situação econômica, e para pedir a saída do Partido dos
Trabalhadores do governo.
Mas não sejamos mais ingênuos: Sempre haverá motivos para protestar,
já que o pecado mancha todas as atividades humanas. Resistir, rejeitar e
denunciar
a corrupção, a exploração econômica, a irresponsabilidade administrativa e a imoralidade são atitudes que lançam alguma luz em um mundo
em trevas. E, portanto, são apropriadas ao cristão.[1]
Muitos pensam erroneamente que “separação entre igreja e
Estado” significa “separação entre cristão e sociedade” ou “separação entre fé
e sociedade”. No primeiro caso, o cristão não se envolve com atividades
políticas; no segundo, o cristão se envolve com atividades políticas como se
não fosse cristão. Nas duas situações, percebe-se um dualismo que coloca a
Política fora do alcance do senhorio de Cristo e da graça de Deus. A cosmovisão
cristã reconhece que a Política tem um efeito centrípeto sobre a corrupção do
pecado, mas afirma que é uma atividade digna que expressa aspectos importantes
da natureza humana conforme a Criação (como sociabilidade, senso de justiça e
dom de administração). Além disso, ensina que os efeitos da Queda na Política podem
ser minimizados pela graça de Deus, especialmente através da presença e atuação
de cristãos vocacionados para isso.
É importante notar que isso se dá no âmbito da bondade de
Deus para com toda a sua criação, incluindo sociedades pagãs e indivíduos
ímpios.[2]
Ao engajar-se num protesto (ou em qualquer atividade política), o cristão é
agente da “graça comum” de Deus. Isso tem pelo menos duas aplicações: Primeiramente,
ele não protestará de maneira contrária à Palavra de Deus, por exemplo, incitando
à anarquia, usando de violência ou depredando propriedades.[3]
Em segundo lugar, não substituirá a esperança do Evangelho pela esperança na
Política,[4]
imaginando que seu partido de oposição é composto de santos que trarão o paraíso
à terra.
Feitas essas duas ressalvas, a verdade é que o cristão pode
exercer seu papel político com muito mais propriedade que o não cristão, devido
às suas motivações espirituais e sua perspectiva bíblica das questões da
sociedade. Sua participação política nunca se acomoda às dicotomias que se
apresentam, como “Esquerda” e “Direita”, “Oposição” e “Situação”. Ele tem uma dicotomia
mais relevante: “Vontade de Deus” e “Rebelião contra Deus” – e a partir dela
avalia, critica, protesta e faz oposição a tudo que se levanta contra a verdade
de Deus.
Ele pode sair às ruas em uma passeata pacífica contra a
corrupção ou alguma decisão do governo; organizar um boicote a um produto ou
empresa que promova atos injustos ou imorais; participar de abaixo-assinados
contra a liberação do aborto; fazer campanha contra candidatos ou partidos comprometidos
com agendas anticristãs e, é claro, candidatar-se por partidos de oposição (ou
governistas, mas o tema deste post é
o protesto).
Igualmente importante é o trabalho de instrução dos crentes
(jovens e novos convertidos) nas implicações éticas e sociais da fé cristã,
incluindo treinamento em Apologética. O objetivo é tanto expor os pressupostos
secularizantes do sistema de valores da sociedade em geral quanto prepara-los para
o contato com os não-convertidos de modo a serem mais influenciadores que
influenciados.
Entretanto, a preocupação cristã com a política não pode ignorar
a necessidade espiritual fundamental do ser humano de ter seu coração
regenerado pelo Espírito de Deus. Fundamentalmente, a igreja é agente da “graça
salvadora”. Por isso, precisamos fazer uso das armas cristãs da evangelização dos
cidadãos, oração pelas autoridades e proclamação profética da Lei de Deus a uma
sociedade em trevas.[5]
Os cristãos brasileiros farão diferença quando souberem
viver a realidade com o ponto de referência transcendente fornecido pela
Escritura Sagrada: Jesus Cristo, o Deus encarnado para restaurar um mundo
caído. Nele, Deus protestou e agiu contra a injustiça, maldade e corrupção
humanas de maneira a trazer esperança verdadeira e transformação, individual e
social.
É lindo ver a Av. Paulista tomada de cidadãos lutando por
dias melhores. Mas somente os cristãos têm um padrão perene do que seja o “melhor”
pelo qual lutar. Nós sonhamos e esperamos um tempo e lugar onde todos os governantes
honrarão a Deus e conduzirão suas nações segundo a Lei dele.[6]
[1] Tanto
Jesus quanto Paulo usaram a figura da luz para falar da influência do cristão
no mundo, cf. Mateus 5.14-16; Filipenses 2.15.
[2]
Mateus 5.45; Atos 14.15-17 e 17.24-25.
[3] Violações
do 5º, 6º e 8º mandamentos, respectivamente, conforme a interpretação do
Catecismo Maior de Westminster.
[4] Quando
um cristão defende mais seu partido que sua igreja e fala com mais entusiasmo de
seu programa político que de sua fé, temos um sinal claro de que essa inversão
já se deu. O professor de Filosofia Luís Felipe Pondé (PUC-SP) tem tratado
desse tema.
[5] Paulo
exortava seus crentes a interceder pelas autoridades romanas (1 Timóteo 2.1-2)
e João Batista atuava na tradição dos profetas que exortavam as autoridades pagãs
a agirem conforme a Lei divina (Lucas 3.14 e Mateus 14.3-4).
[6] Foi o que o apóstolo João viu quando estava preso em Patmos, no final do 1º século, cf. Apocalipse 21.24.
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