quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Queda e a queda da mulher sapiens

Durante muito tempo o Brasil acreditou que estava natural e providencialmente deitado em berço esplêndido. Talvez por isso mesmo, apesar da idade avançada e tamanho avantajado, somente agora esse bebezão está acordando e descobrindo que suas babás não vinham fazendo um bom trabalho – e, mais importante, que podem ser demitidas.

A babá Dilma, percebendo que já está de aviso prévio e
sabendo que o salário-desemprego é uma merreca.
Nos últimos anos tivemos inúmeros casos de políticos alcançados pela onda de punidade (palavra tão inaudita em nosso país que nem consta nos dicionários!). Desde o início de 2015 essa onda está atingindo fortemente o governo federal, sob o comando do Partido dos Trabalhadores (PT). O ponto alto é um pedido de impeachment da Presidente da República, com denúncias de que ela teria mantido ações governamentais usando verbas de bancos federais e modificado o orçamento federal sem autorização do Congresso, maquiando assim o desempenho fiscal do governo nos anos anteriores para conseguir sua reeleição – as chamadas “pedaladas fiscais”.

O discurso governista é que o processo de impeachment de Dilma Rousseff é um ataque à democracia brasileira. Porém, ao contrário, me parece um claro sinal de amadurecimento da nossa democracia, com a consagração do princípio democrático da separação entre os Poderes que descentraliza o poder do Estado e dispõe mecanismos para que cada um deles possa fiscalizar e conter excessos dos demais, num sistema de freios e contrapesos. Alguns exemplos disso:
  • Tudo isso tem ocorrido pela atuação de órgãos do Judiciário (como Justiça Eleitoral e STF), do Legislativo (Tribunais de Contas) e do Executivo (Ministérios Públicos).[1]
  • Essa atuação tem sido amparada por leis que pretendem moralizar a vida pública brasileira, em especial as recentes Leis da Responsabilidade Fiscal (2000), da Ficha Limpa (2010) e Anticorrupção (2013), propostas pelo Executivo, aprovadas pelo Legislativo e aplicadas pelo Judiciário.[2]
  • Um importante aspecto das acusações contra a Presidente é exatamente que ela teria invadido a competência do Congresso.
  • lei determina que o julgamento do impeachment seja conduzido pelas duas casas do Legislativo de acordo com as regras referendadas pelo Judiciário, sendo que o Senado funciona sob a presidência do Presidente do STF.

Próximo à Praça dos Três Poderes, em Brasília, uma multidão manifestava o poder original numa democracia: o povo
Contudo, para o cristão, a separação dos poderes republicanos é mais que uma questão de conveniência política ou democrática. É verdade que o ser humano foi criado sob o mandato de dominar a terra e com a capacidade de liderança, administração e misericórdia.[3] Porém, por causa da queda em pecado, ele adquiriu uma tendência inexorável para usar essa capacidade de maneira egoísta, injusta e destrutiva.[4] Bíblia não ordena uma forma de governo, e povos bíblicos sequer conheciam a democracia; contudo, a ideia de não concentrar o poder político, mas distribuí-lo entre pessoas ou instituições independentes e que se regulam umas às outras, é perfeitamente coerente com a visão bíblica da humanidade.

Como escreveu o reformador protestante João Calvino: “em virtude dos vícios ou defeitos dos homens, é mais seguro e mais tolerável que diversos exerçam o governo, de sorte que assim se assistam, ensinem e exortem mutuamente; e, se alguém se exalta mais do que lhe é justo, muitos sejam os censores e mestres para coibir-se seu desregramento”.[5]

Que Dilma caia mesmo. E que os demais políticos aprendam com sua queda a exercer seu ofício com mais temor, legalidade e transparência. E que os petistas aprendam com sua queda que não são salvadores da pátria nem detém o monopólio da virtude. E que os brasileiros aprendam com sua queda que os governantes precisam ser fiscalizados para que não caiam na tentação de governar para si mesmos e para seus grupos de interesse político ou econômico. E que os cristãos aprendam com sua queda que bendito é aquele que põe no Senhor a sua confiança e esperança, não nos políticos.[6]

Particularmente, a maior vantagem que vejo na queda da atual presidente é a possibilidade de mudança de rumos na economia do país, dominada pelo pensamento esquerdista do PT e congêneres. Tratarei disso em outro post, mas por hora, direi, esperançoso: JÁ VÃO TARDE!


[1] Por sua importância na democracia, a Imprensa já foi chamada de “quarto poder”. De fato, a liberdade de imprensa também tem sido fundamental para publicar desmandos e compelir investigações, mas não tem como fonte de poder o povo e lhe faltam os dispositivos de controle externo mútuo presentes nos três poderes políticos.
[2] Na verdade, a “Ficha Limpa” foi de iniciativa popular, mas isso não prescinde de ter de ser sancionada pelo Executivo.
[3] O mandato criacional é universal (Gênesis 1.28); mas a capacitação é individual (Romanos 12.8; 1 Coríntios 12.28). A Bíblia traz exemplos de homens que utilizaram seus dons para a prosperidade da população, como José (Gênesis 41.33-36), Daniel (Daniel 6.1-3) e Mordecai (Ester 10.3).
[4] Exemplos bíblicos dessa distorção incluem Caim (Gênesis 4.17), Roboão (1 Reis 12.13-19) e Nabucodonosor (Daniel 4.29-32).
[5] Institutas, livro 4, cap. XX.8. A Cultura Cristã relançou a edição clássica da obra magna de Calvino, traduzida do latim.
[6] Conforme a constante exortação bíblica, por exemplo, nos Salmos 40.4; 118.9 e 146.3-5; também Jeremias 17.5-7.

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