quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Hiroshima e a guerra justa

O "cogumelo atômico" sobre Nagasaki
Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 a força aérea norte-americana lançou bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando de imediato 70 mil e 40 mil pessoas, respectivamente. O número de mortes dobraria nos meses seguintes devido às queimaduras e à radiação.

Era o final da 2ª Grande Guerra (1939-1945), os alemães e italianos já haviam se rendido e o Japão já perdera algumas batalhas importantes. Porém, o Imperador Hiroito não aceitava a desonrosa derrota, e a geografia insular japonesa, somada às táticas kamikaze, tornavam a invasão do Japão extremamente difícil.

As bombas atômicas deveriam ter o efeito psicológico de render o imperador Hirohito. Funcionaram.
Mas tiveram outro efeito psicológico na humanidade em geral: ficamos todos horrorizados com a eficiência da explosão nuclear. Apesar disso, na escalada armamentista entre EUA e URSS durante a chamada “Guerra Fria”, os dois países chegaram a ter armamentos nucleares suficientes para destruir toda a Terra diversas vezes – por mais imbecil que isso seja.
Centro de Hiroshima após o bombardeio

A origem da guerra se confunde com a existência do pecado. Logo após a queda, os seres humanos, criados como uma só família solidária, passaram a cobiçar, enganar, odiar e matar uns aos outros.[1] Uma guerra é a extrapolação dessa mesma dinâmica entre grupos humanos.

A Bíblia, de maneira geral, conclama o cristão a não pagar o mal com o mal, ou seja, não se vingar.[2] Entretanto, também reconhece que no mundo em que vivemos nem sempre será possível defender a justiça sem recorrer à força; de fato, os governos humanos devem usar a força para conter os malfeitores e propiciar um ambiente de ordem social aos cidadãos – e assim são instrumentos de Deus para refrear os efeitos do pecado na sociedade humana.[3] Temos, portanto, o padrão moral único da dignidade da vida humana se manifesta diferentemente na ação privada e na pública.

Logicamente, no caso de malfeitores estrangeiros ameaçarem essa ordem social sob sua guarda, será lícito a um governo promover guerra a fim de resguardar seus cidadãos. O mesmo raciocínio se aplicará a aliados que queiram ajuda-lo em sua luta. Assim, para os cidadãos agredidos em sua ordem social, aquela seria uma guerra justa (assim como para seus aliados); inversamente, para aqueles que invadem e tomam seu território, a mesma guerra é injusta. É claro que estou simplificando bastante, pois normalmente o cidadão só tem acesso à versão de seu próprio governo acerca da justiça da guerra que promove.

De qualquer forma, provavelmente os cristãos serão unânimes em concordar que a guerra dos Aliados contra o Eixo foi uma “guerra justa”.[4] Afinal, deixar de lutar contra o cruel avanço de Hitler sobre países (e raças) mais fracos seria uma negligência para com a vida e, portanto, quebra indireta do 6º mandamento (“Não matarás”).

Entretanto, teria sido justo o uso de armamento nuclear contra o Japão?

Pode-se argumentar que o bombardeio foi injusto porque nuclear empregou força desproporcional contra um alvo majoritariamente civil, e (sabemos hoje) seus efeitos radioativos perduram sobre gerações posteriores. Mas deve-se considerar também que os militares aliados temiam que se repetisse em cada cidade japonesa conquistada o que ocorrera em Okinawa, onde mais de 200 mil pessoas morreram (derrotado, o exército japonês armava os cidadãos de granadas com ordens de se explodirem quando os aliados chegassem). Por causa dessa resistência japonesa, os aliados estimavam mais de um milhão de mortos na invasão que planejavam para novembro daquele ano, com bombardeio convencional e armas químicas – a “Operação Downfall”.

Qual decisão teria sido mais “justa”?

Na prática, qualquer guerra sempre será tão permeada de injustiças que só pode ser considerada como um mal necessário, recurso extremo a ser utilizado somente em último caso. Mesmo quando “justa”, a espada deve ser empunhada com lágrimas nos olhos, autocrítica e temor.

"Little Boy"
Talvez a consequência mais terrível das armas atômicas seja a desumanização. O extermínio é tão fácil, rápido e eficiente, que todos os envolvidos (do presidente que autoriza ao piloto que aperta o botão) precisam, pelo menos naquele momento decisivo, deixar de ver as vítimas como humanos – são apenas números de baixas, vaporizados instantaneamente. E, exatamente nesse ato, também estão se desumanizando – são apenas máquinas de guerra, engrenagens da bomba que lançam. Esse processo duplo de desumanização é se reflete nos divertidos apelidos dados às duas bombas: “Little Boy” (“Garotinho”) e “Fat Man” (“Gordão”).

Uma guerra, mesmo a mais justa e tecnológica, é apenas ocasião para mostrarmos o quanto a queda borrou a imagem de Deus em nós, nos tornando menos humanos.




[1] O filho mais velho de Adão matou o próprio irmão, Gênesis 4.2-8; depois disso, a violência só tendeu a aumentar, como mostra Gênesis 4.23 e 6.11.
[2] Dentre as muitas referências: Provérbios 20.22; Mateus 5.39; Romanos 12.17-21; 1 Pedro 3.9.
[3] Veja a filosofia do Direito do Apóstolo Paulo na sua carta aos Romanos 13.3-4.
[4] Cf. Catecismo Maior de Westminster, questão 136; a Confissão de Fé de Westminster (23.2) considera legítima a guerra para manter a religião cristã, a justiça, e a paz. O salmista Asafe afirma que a justiça inclui livrar o fraco e o necessitado das mãos dos ímpios (Salmo 82.3-4).

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