quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Viagem no tempo e a eternidade

"Multas? Aonde estamos indo não há radares escondidos, Marty!"
O filme “De Volta Para o Futuro” entrou para a história com uma perfeita combinação de ficção científica, ação, comédia e romance. Nele, o jovem Marty McFly viaja de 1985 até 1955 numa estilosa máquina do tempo. Antes de retornar ao seu tempo, ele precisa consertar eventos do passado de seus pais que alterou sem querer, e que podem acarretar seu desaparecimento da existência. No segundo filme da franquia, Marty tem de avançar no futuro outras três décadas, para consertar o futuro de seus filhos, também alterado pelas mudanças ocorridas em 1955 – e, claro, há a sequência final, que se passa em 1885.
A data "futura" no painel do DeLorean 

É isso mesmo: em 2015 os fãs da série comemoram os trinta anos do filme original e, de quebra, celebram a chegada do “futuro” visitado por Marty em seu DeLorean DMC. Para sermos justos, ele deve ter visitado alguma realidade paralela, pois não temos carros voadores (o prefeito Haddad ficaria maluquinho tentando multá-los por ultrapassarem os 50km/h).


“De Volta Para o Futuro” pertence a uma extensa lista de obras de ficção sobre viagem no tempo, desde mais fantásticas, como os fantasmas de Charles Dickens, até mais científicas, como a máquina do tempo de H. G. Wells – ambas com inúmeras adaptações. “Contra o Tempo” (2011), “O Homem do Futuro” (2011), “Looper” (2012), “No Limite do Amanhã” (2014), “O Predestinado” (2014), “Interestelar” (2014) e, é claro, “O Exterminador do Futuro: Gênesis” (2015), são exemplares recentes do fascínio que o tema provoca.
Tentativa de explicar graficamente um "buraco de minhoca",
a melhor aposta da física teórica para viagens temporais

Levando em conta os roteiros destes filmes, a viagem no tempo é especialmente instigante se incluir a possibilidade de mudar o passado – ou o presente, a partir de uma visita ao futuro, o que dá na mesma. E, desde que a Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein sugeriu que o tempo é tão relativo quanto o espaço ao qual está unido, os limites entre realidade e ficção parecem mais borrados que nunca.[1]

O destino da humanidade realmente é dominar e domesticar o mundo, e para isso a ciência e a técnica são ferramentas fundamentais.[2] E, de fato, temos visto esse domínio crescer enormemente nos últimos anos: flora, fauna, terra, mar e céu são desvendados, compreendidos, explorados e utilizados como nunca.

Mas o tempo permanece uma esfera da qual apenas somos servos. Seria essa a fronteira final do nosso domínio? Será que chegaremos a dominar o tempo?

Nesse campo, apesar dos desenvolvimentos da moderna física teórica, prefiro ficar com a filosofia de Agostinho. Para ele, o tempo existe enquanto aspecto necessário da existência criada, e sua passagem é apenas a forma como nossa consciência percebe a existência. Em outras palavras, somente o presente “existe”, o passado é apenas nossa memória e o futuro nossa expectação. Somente na eternidade o passado, o presente e o futuro coexistem; logo, são simultâneos apenas na mente do único que habita a eternidade, isto é, Deus.[3] Sendo assim, jamais sujeitaremos o tempo, simplesmente porque jamais deixaremos de ser criaturas, a despeito de quaisquer promessas ou ficções.[4]

A História humana, tanto geral quanto dos indivíduos, tem somente um Senhor dominando sobre ela.[5] A nós, criaturas, resta a existência temporal, limitada à implacável passagem do tempo. A dificuldade é que parece haver em nós um anseio por algo que se encontra do lado de fora da jaula da existência temporal na qual estamos confinados. Somente o reconhecimento humilde de que há um Senhor sobre o tempo nos conduzirá a enxergar beleza e significado nessas cadeias que não podemos romper nem escapar.[6]

O cristão vê na providência de Deus (e, especialmente, na encarnação de seu Filho) o ponto de contato entre a transcendência da eternidade e a imanência do tempo, proporcionando confiança onde a única resposta lógica seria o desespero.

Nenhum Marty Mcfly atrapalhará o namoro de seus próprios pais e nenhum T-800 exterminará inimigos antes de nascerem: o Deus que criou o Tempo e escreveu a História não usou lápis.




[1] Na verdade, a Teoria Geral da Relatividade propõe as condições para “driblar” a passagem do tempo por meio da velocidade, mas não afirma que seja possível. Mesmo a viagem na velocidade da luz parece proporcionar uma distorção apenas na percepção do tempo, não a existência em outro tempo. A linguagem a física teórica é incompreensível para seres humanos normais como eu, mas aqui e aqui há exposições generosas em relação à possibilidade teórica de viajar no tempo.
[2] A Bíblia reconhece que esse destino é dado pelo Criador, empregando três termos para expressar a ideia: dominar (radah, Gênesis 1.26), subjugar (kabash, Gênesis 1.28) e governar (mashal, Salmo 8.6). Note que uma das primeiras tarefas dadas ao primeiro homem foi científica: uma completa taxonomia do reino animal (Gênesis 2.14-17).
[3] Agostinho trata de tempo e eternidade no Livro XI de suas “Confissões”. C. S. Lewis também aborda de passagem a questão de modo bastante semelhante em seu “Cristianismo puro e simples”, mas não concordo com a forma como ele aplica seu esquema à presciência divina.
[4] Segundo Gênesis 3.4, o primeiro casal foi tentado justamente pela oferta: “Que tal se tornarem como Deus?” Será que nossa fascinação pela ideia de viajar no tempo procede de nosso desejo de sermos como Deus?
[5] A Bíblia afirma claramente que Deus não está sujeito à passagem do tempo. Leia Salmo 90.4 e 139.16; também Apocalipse 1.8.
[6] É essa a conclusão de um antigo filósofo hebreu, veja Eclesiastes 3.11 e 14.

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