"Multas? Aonde estamos indo não há radares escondidos, Marty!" |
O filme “De Volta Para o Futuro” entrou para a história com
uma perfeita combinação de ficção científica, ação, comédia e romance. Nele, o
jovem Marty McFly viaja de 1985 até 1955 numa estilosa máquina do tempo. Antes
de retornar ao seu tempo, ele precisa consertar eventos do passado de seus pais
que alterou sem querer, e que podem acarretar seu desaparecimento da
existência. No segundo filme da franquia, Marty tem de avançar no futuro outras
três décadas, para consertar o futuro de seus filhos, também alterado pelas
mudanças ocorridas em 1955 – e, claro, há a sequência final, que se passa em 1885.
A data "futura" no painel do DeLorean |
É isso mesmo: em 2015 os fãs da série comemoram os trinta
anos do filme original e, de quebra, celebram a chegada do “futuro” visitado por
Marty em seu DeLorean DMC. Para
sermos justos, ele deve ter visitado alguma realidade paralela, pois não temos
carros voadores (o prefeito Haddad ficaria maluquinho tentando multá-los por ultrapassarem os 50km/h).
“De Volta Para o Futuro” pertence a uma extensa lista de
obras de ficção sobre viagem no tempo, desde mais fantásticas, como os
fantasmas de Charles Dickens, até mais científicas, como a máquina do tempo de
H. G. Wells – ambas com inúmeras adaptações. “Contra o Tempo” (2011), “O Homem
do Futuro” (2011), “Looper” (2012), “No Limite do Amanhã” (2014), “O
Predestinado” (2014), “Interestelar” (2014) e, é claro, “O Exterminador do
Futuro: Gênesis” (2015), são exemplares recentes do fascínio que o tema provoca.
Tentativa de explicar graficamente um "buraco de minhoca", a melhor aposta da física teórica para viagens temporais |
Levando em conta os roteiros destes filmes, a viagem no
tempo é especialmente instigante se incluir a possibilidade de mudar o passado –
ou o presente, a partir de uma visita ao futuro, o que dá na mesma. E, desde
que a Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein sugeriu que o tempo é tão
relativo quanto o espaço ao qual está unido, os limites entre realidade e
ficção parecem mais borrados que nunca.[1]
O destino da humanidade realmente é dominar e domesticar o
mundo, e para isso a ciência e a técnica são ferramentas fundamentais.[2]
E, de fato, temos visto esse domínio crescer enormemente nos últimos anos:
flora, fauna, terra, mar e céu são desvendados, compreendidos, explorados e
utilizados como nunca.
Mas o tempo permanece uma esfera da qual apenas somos
servos. Seria essa a fronteira final do nosso domínio? Será que chegaremos a
dominar o tempo?
Nesse campo, apesar dos desenvolvimentos da moderna física
teórica, prefiro ficar com a filosofia de Agostinho. Para ele, o tempo existe
enquanto aspecto necessário da existência criada, e sua passagem é apenas a
forma como nossa consciência percebe a existência. Em outras palavras, somente
o presente “existe”, o passado é apenas nossa memória e o futuro nossa
expectação. Somente na eternidade o passado, o presente e o futuro coexistem; logo,
são simultâneos apenas na mente do único que habita a eternidade, isto é, Deus.[3]
Sendo assim, jamais sujeitaremos o tempo, simplesmente porque jamais deixaremos
de ser criaturas, a despeito de quaisquer promessas ou ficções.[4]
A História humana, tanto geral quanto dos indivíduos, tem
somente um Senhor dominando sobre ela.[5] A nós, criaturas, resta a existência
temporal, limitada à implacável passagem do tempo. A dificuldade é que parece
haver em nós um anseio por algo que se encontra do lado de fora da jaula da
existência temporal na qual estamos confinados. Somente o reconhecimento humilde
de que há um Senhor sobre o tempo nos conduzirá a enxergar beleza e significado
nessas cadeias que não podemos romper nem escapar.[6]
O cristão vê na providência de Deus (e, especialmente, na
encarnação de seu Filho) o ponto de contato entre a transcendência da
eternidade e a imanência do tempo, proporcionando confiança onde a única
resposta lógica seria o desespero.
Nenhum Marty Mcfly atrapalhará o namoro de seus próprios pais
e nenhum T-800 exterminará inimigos antes de nascerem: o Deus que criou o Tempo
e escreveu a História não usou lápis.
[1] Na
verdade, a Teoria Geral da Relatividade propõe as condições para “driblar” a
passagem do tempo por meio da velocidade, mas não afirma que seja possível. Mesmo
a viagem na velocidade da luz parece proporcionar uma distorção apenas na percepção
do tempo, não a existência em outro tempo. A linguagem a física teórica é
incompreensível para seres humanos normais como eu, mas aqui e aqui há
exposições generosas em relação à possibilidade teórica de viajar no tempo.
[2] A Bíblia
reconhece que esse destino é dado pelo Criador, empregando três termos para expressar
a ideia: dominar (radah, Gênesis 1.26),
subjugar (kabash, Gênesis 1.28) e governar
(mashal, Salmo 8.6). Note que uma das
primeiras tarefas dadas ao primeiro homem foi científica: uma completa taxonomia do reino
animal (Gênesis 2.14-17).
[3]
Agostinho trata de tempo e eternidade no Livro XI de suas “Confissões”. C. S.
Lewis também aborda de passagem a questão de modo bastante semelhante em seu “Cristianismo puro e simples”, mas não concordo com a forma como ele aplica seu esquema à
presciência divina.
[4] Segundo
Gênesis 3.4, o primeiro casal foi tentado justamente pela oferta: “Que tal se
tornarem como Deus?” Será que nossa fascinação pela ideia de viajar no tempo procede
de nosso desejo de sermos como Deus?
[5] A Bíblia afirma claramente que Deus não está sujeito à passagem do tempo. Leia Salmo
90.4 e 139.16; também Apocalipse 1.8.
[6] É
essa a conclusão de um antigo filósofo hebreu, veja Eclesiastes 3.11 e 14.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você tem outro ponto de vista? Acha que a Escritura oferece outra perspectiva? Deixe abaixo sua visão sobre o assunto, todos os comentários bem educados serão publicados.