quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Coringa e o papel da maldade louca

Normalmente, um supervilão existe como contraposição ao bem, personalizado no super-herói. Agora, com Coringa (2019), o diretor Todd Phillips tenta entregar um vilão sem seu famoso antagonista, Batman.[1] Coringa é um bom filme de drama, e um bom filme de super-herói (isto é, de vilão de super-herói), adaptando com criatividade a história e o visual das HQs para outro veículo, usando com eficiência as técnicas cinematográficas. Sua fotografia amarelada, a câmera tremida, a câmera lenta, os close-ups estourados, os plot twists, a performance sem sutilezas de Joaquin Phoenix tudo intensifica a experiência de acompanhar ladeira abaixo uma mente doentia.[2]

Para não desrespeitar a extensa folha corrida do supervilão nos quadrinhos, onde desde 1940 é o insano arqui-inimigo do Batman, completamente imprevisível, sem origem certa nem motivações racionais, mas com um bizarro senso de humor, a estratégia foi contar uma história de origem, com a óbvia vantagem de ser o protagonista do filme e não ter o antagonismo de um mascarado de orelhas pontudas para atrapalhar seus planos malignos.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Maternidade + trabalho: o novo tabu


A começar de suas datas comemorativas no mesmo mês, maternidade e trabalho têm conexões interessantes. Afinal, o Dia das Mães sempre foi dia de trabalho pesado para elas! Pense na trabalheira que é preparar a mesa para receber a filharada que se reúne, saudosos da comidinha da mamãe. É verdade que muitos têm levado a mãe a um restaurante para “tirar a velha da cozinha” no seu dia, mas essa generosidade implica inúmeras pessoas trabalhando dobrado nos restaurantes e lojas, inclusive muitas mães, nesta que é a segunda data do ano mais intensa para o comércio e serviços.
Seria Dilma superior a Marcela porque
além de mãe, trabalhava fora?

Recentemente, o Presidente Michel Temer tropeçou no elo entre maternidade e trabalho ao fazer um pronunciamento no qual louvava a mulher pelas suas qualidades como dona de casa. Evidentemente, foi massacrado nas redes sociais. Do alto de seus anacrônicos 76 anos, ele até tentou ser mais cuidadoso na escolha dos elogios neste Dia das Mães, mas ainda assim foi criticado por mencionar a “dupla jornada de trabalho” – implicitamente indicando, de novo, o papel doméstico.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Bem vinda, Dona Morte!

Os cinemas de todo o país estão vendendo mais lenços que pipocas com o grande sucesso de “Como eu era antes de você” (Me before you, 2016). O filme conta a história de Will Trainor (Sam Clafin), um jovem muito rico e aventureiro que fica tetraplégico. O rapaz mergulha em amargura e cinismo, até que a família contrata como cuidadora a doce e meio simplória Louisa Clark (Emilia Clarke).[1] Como sugere o título, essas duas vidas tão opostas serão profundamente tocadas pela relação que constroem.
*SPOILERS ABAIXO!*

Só de ler a sinopse já fica totalmente previsível que ambos vão se apaixonar um pelo outro.[2]  Porém, o trailer antecipa que o filme apenas finge ser uma comédia romântica, mas é na verdade um melodrama. Mesmo reconhecendo que a presença de Lou trouxe alegria e significado à vida, Will se mantém decidido a terminar sua vida por meio de suicídio assistido. Na verdade, parece que conhece-la serviu apenas para confirmar que jamais poderia se conformar com a existência incompleta e dependente que o espera.

O título original do filme (“Me before you”) nos oferece um trocadilho, perdido na tradução. É assim que Will vê o mundo, ele mesmo antes de todo o resto. Sua decisão de cometer suicídio é completamente egoísta e ensimesmada. Mergulhado em autocomiseração pelo potencial de realizações pessoais que perdeu, não leva em consideração nem as pessoas que o amam e cuidam, inclusive Lou, cujo amor ele aparentemente corresponde. Seu discurso de que não deseja ser um fardo para aqueles que o amam não é motivado pelo amor, mas pelo orgulho que o impede de ser dependente do amor dos outros.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Todo homem é um estuprador em potencial

Apesar do Estado do Rio registrar 1690 estupros só nos quatro primeiros meses desse ano, um em particular causou comoção geral. Primeiramente porque imagens da suposta vítima nua viralizaram na internet antes mesmo que ela apresentasse queixa na delegacia; depois, porque ela ainda é adolescente; e, especialmente, devido à informação de que trinta ou mais homens teriam participado do ato.

Agora se sabe que esse último dado é questionável. A jovem afirmou que contou 33 homens presentes na casa onde acordou nua, mas não pode precisar quantos participaram do ato em si, já que estava desacordada. No vídeo viralizado, uma voz masculina afirma jocosamente “mais de 30 engravidou”, mas está parodiando a letra de um funk, e não confessando um crime. Ainda que a divulgação não consentida de imagens íntimas seja claramente contra a lei, o restante do caso está bastante nebuloso, havendo o risco de o inquérito seguir mais baseado na pressão da opinião popular conduzida pela mídia que pela apropriada investigação policial.

Manifestação organizada em Florianópolis pelo movimento "Marcha das Vadias" depois da notícia do estupro coletivo

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Queda e a queda da mulher sapiens

Durante muito tempo o Brasil acreditou que estava natural e providencialmente deitado em berço esplêndido. Talvez por isso mesmo, apesar da idade avançada e tamanho avantajado, somente agora esse bebezão está acordando e descobrindo que suas babás não vinham fazendo um bom trabalho – e, mais importante, que podem ser demitidas.

A babá Dilma, percebendo que já está de aviso prévio e
sabendo que o salário-desemprego é uma merreca.
Nos últimos anos tivemos inúmeros casos de políticos alcançados pela onda de punidade (palavra tão inaudita em nosso país que nem consta nos dicionários!). Desde o início de 2015 essa onda está atingindo fortemente o governo federal, sob o comando do Partido dos Trabalhadores (PT). O ponto alto é um pedido de impeachment da Presidente da República, com denúncias de que ela teria mantido ações governamentais usando verbas de bancos federais e modificado o orçamento federal sem autorização do Congresso, maquiando assim o desempenho fiscal do governo nos anos anteriores para conseguir sua reeleição – as chamadas “pedaladas fiscais”.

O discurso governista é que o processo de impeachment de Dilma Rousseff é um ataque à democracia brasileira. Porém, ao contrário, me parece um claro sinal de amadurecimento da nossa democracia, com a consagração do princípio democrático da separação entre os Poderes que descentraliza o poder do Estado e dispõe mecanismos para que cada um deles possa fiscalizar e conter excessos dos demais, num sistema de freios e contrapesos. Alguns exemplos disso:

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Crise, presentes, e o espírito do Natal

Até Noel procurou o comércio popular para fugir dos preços altos 
Em um ano especialmente difícil para a economia, como 2015, a maioria dos brasileiros precisará comprar presentes mais baratos, mas ninguém quer deixar de presentear a quem ama. Muitos usarão o 13º salário para saldar as dívidas acumuladas durante o ano, enquanto fazem verdadeiros “milagres de natal” para esticar a grana que sobrou e dar pelo menos uma “lembrancinha” (que é o nome que damos praquele presente que vem embrulhado num pedido de desculpas).

Será que é isso que eles chamam “espírito natalino”? Não estou falando do consumismo desenfreado, das faturas estouradas de cartão de crédito, nem das propagandas apelativas, mas desse desejo irrefreável de expressar o afeto e a benquerença de maneira generosa, palpável e mensurável – não seria esse o tal espírito?

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A sedução do mal

Uma das coisas mais impressionantes no terrorismo islâmico atual é a forma como utiliza a sua crueldade como ferramenta de marketing. Para o Estado Islâmico, Paris foi apenas uma vitrine, atraindo os holofotes da mídia mundial e a atenção dos governos. Além disso, em todo o mundo homens e mulheres (especialmente jovens) têm sido atraídos por estas facções extremistas do islamismo, que têm se mostrado muito hábeis no uso das redes sociais e vídeos para recrutar adeptos. Aliás, calcula-se que cerca de 1200 dos próprios franceses já viajaram à Síria e Iraque para se juntar ao jihad.[1]
Carrasco extremista posa para uma selfie antes de decapitar prisioneiros:
marketing na web é a alma do negócio
O que leva jovens islâmicos a se envolverem com radicais? Como islâmicos extremistas seduzem jovens ocidentais?[2]

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Matar, não: "interromper a vida"

Quando alguém consegue definir os termos utilizados em um debate, provavelmente sairá como vencedor. Essa estratégia é tão típica da esquerda cultural que alguns têm chamado de novilíngua.[1] Por exemplo, sua agenda política nunca é “socialista”, mas “progressista” –  subentendendo-se que seus opositores são “retrógrados” e estão, sabe-se lá por quais intenções escusas, lutando contra a marcha da História e do progresso. Viu? Vitória por nocaute antes de iniciar a luta!

Isso ocorre também na questão do aborto. Em debates, manifestações e principalmente na propaganda feminista pró-aborto, o aborto é apresentado como uma questão essencialmente de “saúde pública” e de “liberdade individual”; uma capa da revista Istoé sobre o Projeto de Lei 5069, que trata do aborto, menciona três vezes os "direitos civis" femininos em jogo, mas "aborto", apenas uma vez ("feto", então, nem pensar!). Logo, o aborto nada tem a ver com moralidade, especialmente a religiosa, certo? E quem se atreveria a ser contra a saúde, a liberdade e os direitos da mulher, não é mesmo?

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Viagem no tempo e a eternidade

"Multas? Aonde estamos indo não há radares escondidos, Marty!"
O filme “De Volta Para o Futuro” entrou para a história com uma perfeita combinação de ficção científica, ação, comédia e romance. Nele, o jovem Marty McFly viaja de 1985 até 1955 numa estilosa máquina do tempo. Antes de retornar ao seu tempo, ele precisa consertar eventos do passado de seus pais que alterou sem querer, e que podem acarretar seu desaparecimento da existência. No segundo filme da franquia, Marty tem de avançar no futuro outras três décadas, para consertar o futuro de seus filhos, também alterado pelas mudanças ocorridas em 1955 – e, claro, há a sequência final, que se passa em 1885.
A data "futura" no painel do DeLorean 

É isso mesmo: em 2015 os fãs da série comemoram os trinta anos do filme original e, de quebra, celebram a chegada do “futuro” visitado por Marty em seu DeLorean DMC. Para sermos justos, ele deve ter visitado alguma realidade paralela, pois não temos carros voadores (o prefeito Haddad ficaria maluquinho tentando multá-los por ultrapassarem os 50km/h).


domingo, 18 de outubro de 2015

A pornografia faz mais uma vítima

A revista masculina norte-americana Playboy anunciou que vai parar de publicar fotos de mulheres nuas.[1] Contudo, seria muita ingenuidade imaginar que a mudança tenha sido motivada pelo reconhecimento de que a pornografia seja errada ou prejudicial. A decisão não é moral, mas financeira: das 6 milhões de cópias que vendia nos EUA na década de 70, não vende mais que 800 mil atualmente.

A primeira edição de Playboy seria
considerada recatada em nossos dias
A revista foi criada por Hugh Hefner em 1953 com uma proposta ousada. Já havia revistas que publicavam fotos de mulheres nuas, mas Hefner pretendia oferecer mais. Seu público não era o sujeito insocial, solitário e incapaz de se encontrar com uma garota de verdade; pelo contrário, era um suposto novo homem, sofisticado demais para se prender aos grilhões da moralidade tradicional, pautada no compromisso do casamento heterossexual.

A revista de Hefner conseguiu convencer a sociedade ocidental de que ser homem de verdade é viver de maneira irresponsável, promíscua e egoísta. E que a exploração sexual da imagem de uma mulher não tem nada a ver com moral, com certo e errado.